domingo, maio 14, 2017

Assis: radicalidade


E se largarmos todos os materiais que temos, tal como S. Francisco, e experimentarmos a radicalidade dessa opção?
Havia uma barra de grafite que me tinha sido oferecida há uns anos e estava intocável. 
Parti-a às lascas e partilhei-a entre todos. 
Sujava as mãos quando se lhe pegava.
Não se conseguia agarrar em condições, sequer.

Dali partimos em grupo para desenhar o tempo romano de Minerva, hoje igreja de Santa Maria sobre Minerva.


A exploração continuava. 
Quando nos sujeitamos ao que o outro nos dá, os resultados são sempre um mistério. Raramente o que esperamos. Abrem-se novas possibilidades e o milagre de novos resultados aparecerem no caderno presta-se a acontecer...


Aos poucos, vamos integrando a surpresa da novidade. 
Espaço para o chão e para o céu. A matéria fica no meio.

Depois de o controlar, havia que dar o passo seguinte:
Serei capaz de o integrar com o que eu já sei fazer?

A inspiração vinha do milagre da multiplicação dos pães e dos peixes. 
Dificilmente as pessoas não tinham mesmo nada que comer. 
Dificilmente não ficaram sensibilizadas pela partilha inicial de Jesus e dos discípulos.
De certeza que tiraram também o farnel que tinha levado e integraram-no com as pequenas porções recebidas pelos discípulos.


Má integração a minha. Deixei o que me ofereceram para o fim...
Usei a caneta e a aguarela e depois queria colocar o grafite da lasca.
Engraçado como é muito esta a postura com a diferença na vida. Queremos os territórios seguros. Primeiro eu e depois logo se vê se há espaço para o outro...


Nova tentativa. 
Forcei-me a integrar.
Arcadas grosseiras com lascas de grafite. 
Claro-escuro. 
Sentido de liberdade.
Aguarela.
Confusão e caos.

Como é difícil integrar a novidade na nossa vida, sobretudo quando a novidade é como uma lasca de alguma coisa. Parte mal partida, sem lado bonito, sem modo de lhe pegar.

Tanto caminho pela frente...
Tanto para crescer...

quarta-feira, maio 10, 2017

Assis: o esplendor

Tenho andado a ganhar coragem para escrever sobre Assis.
Todos me diziam que era uma cidade especial e eu sempre acreditei.
Acreditar sem ver é difícil e, por isso, lá fomos para Assis na Páscoa para a viver.


Foi o retiro que mais preparação exigiu de mim. 
Nem tive tempo de convidar o P. Nuno Branco. Os quartos eram duplos e, quando dei por mim, já não haviam mais lugares e ainda faltava quase um ano. Senti-me órfão por momentos. Quase trabalhamos juntos de olhos fechados. Como é que agora já não havia lugar?!?

Li um livro antigo sobre S. Francisco, oferecido por um grande amigo dos tempos da António Arroio. Às vezes penso: "como é possível que me tenham oferecido um livro sobre a vida de S. Francisco de Assis, enquanto estudava na António Arroio?"

Li, li e li. Entrei, mergulhei mesmo, na vida de S. Francisco. 
Tudo o que tinha imaginado fazer como exercícios foi transformado ao longo de meses de leituras.

S. Francisco nasceu numa família rica, experimentou a exuberância. Foi um príncipe da juventude. O pai trocou-lhe o nome de João para Francisco em honra dos negócios de tecidos que comprava em França e vendia em Itália. "Francesco" em italiano significa "o francês".

O primeiro passo a dar era experimentar também esse esplendor da riqueza. Desenhar com a liberdade total de escolhas. Mostrar a nossa riqueza no desenho...


Quando pensamos que a nossa riqueza é uma, eis que as voltas nos são trocadas.
Queria muito ter desenhado uma vista de um miradouro sobre a Basílica de S. Francisco (talvez para fazer pandã com o primeiro desenho).
Apareceu este siciliano de passagem por Assis.
Meteu conversa e não parámos de falar.
Crescia em mim o sentimento de frustração pelo tempo a passar sem fazer o desenho esplendoroso que queria fazer, até que me dei conta que o esplendor estava ali a falar comigo. 
"Não são as pedras que são esplendorosas, são as pessoas" - pensei...

Senti-me humilde ao relembrar a pergunta de Filipe: "Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos basta!"
Ele que estava ali com Jesus, não o conseguia ver...

Eu que estava ali com o siciliano, também não conseguia ver o esplendor.
Desenhei-o.
Respirei fundo e segui caminho.

domingo, abril 23, 2017

Roma: Piazza San Pietro


Hoje lê-se na missa a passagem do evangelho sobre Tomé. O tal que disse que só acreditava se visse e tocasse nas chagas. São muitas as pinturas que existem sobre ele e sobre o momento (quase seguinte) em que acredita.

Em Roma, na Praça de S. Pedro, em frente à Basílica e do lado esquerdo, está esta escultura de São Pedro. Do lado direito, uma outra de São Paulo. São Tomé está lá em cima, esculpido pelo Bernini. É o quarto a contar da esquerda.

Engraçado como para a história ficou (quase apenas) que São Tomé não estava em casa quando os outros estavam lá fechados e cheios de medo. Porque razão não tinha medo Tomé? Bom, dizem-nos os evangelhos que quando chegou a casa, os seus amigos estavam eufóricos por terem visto o Senhor. Tomé, que tinha estado fora, teve dúvidas. Na semana seguinte, Tomé já estava em casa e tudo se resolveu com a profissão de fé mais conhecida de todas: "meu Senhor e meu Deus".


O que me parece interessante notar é que Tomé arriscou sair de casa quando todos os outros ficaram lá dentro cheios de medo. Não sabemos bem porque saiu, mas que era arriscado, lá isso era.
Nesta praça de São Pedro, no Vaticano, São Pedro e São Paulo estão em destaque, no meio da praça, cá fora. Tomé está lá em cima, junto aos outros. A história tem destas coisas. O que não teve medo de sair à rua ficou na história como o que teve dúvidas.

Numa grande série que passou na televisão há uns tempos, perante esta fabulosa tela do Caravaggio, desenvolve-se esta conversa:
- He needed to touch Jesus wounds to be convinced.
- So, was he?
- Of course he was. We're all convinced sooner or later, Jack.


Esta é a cena completa. Saudades desta série maravilhosa...

quinta-feira, março 30, 2017

Roma: night walks


Há desenhos que vão ficando assim: amontoados. 

O primeiro foi aquele apontamento rápido em cima do lado esquerdo feito numa esquina do Portico d'Ottavio. Pensei que conseguia fazer alguma coisa enquanto o pessoal se despedia e discutia um local para almoçar, mas tudo se deu em um ou dois minutos...

O segundo foi feito enquanto esperava um risotto de espargos, numa esplanada da Piazza dele Cinque Scole com a caneta sépia. Demorou a vir e o desenho foi crescendo para espaços que não tinha previsto. Ficou lá em cima na página. O branco vazio do fundo tinha de ser ocupado depois, pensei eu...

O terceiro foi na Piazza di Pietra, do lado das imponentes colunas. Íamos a caminho da Fontana di Trevi e a Amber disse:
- Stop! This is part of the Adriano Temple. We must sketch this. Five minutes. Go!

O quarto e último foi na Fontana di Trevi. Estava frio. O romance estava no ar de alguns lá em baixo junto à água e o encanto no olhar de todos. Afastei-me e encostei-me a uma parede para desenhar. Entretanto passou uma carrinha de varrimento automático de rua e a vida banal romana cruzou-se ali com a vida floreada dos turistas. Ninguém deu pelo barulho a passar...

quinta-feira, março 23, 2017

Roma: Piazza del Campidoglio


Já fui a Roma 5 vezes.

A primeira foi em 2006 e praticamente não desenhei. Nem sei desses desenhos. Não os publiquei no blogue. Foi numa viagem de carrinha desde Lisboa que durou um mês...

A segunda foi em 2011 e, quando olho para esses desenhos, até fico envergonhado. Não tive muito tempo, mas, ainda assim, como é possível que, em 6 anos, o meu desenho melhorasse tanto? Espero daqui a 6 anos ter a mesma sensação...

A terceira foi em 2012 na única viagem que fiz. Foi nesse ano que levei os retiros de diários gráficos para Itália e me apaixonei ainda mais pela cidade. Publiquei também este post nos USkP sobre um dos exercícios do retiro.

A quarta foi em 2014. Fui lá com os meus alunos de Artes Visuais das Doroteias. Foi muito especial essa viagem. Ir a Roma como professor é uma tarefa quase impossível. Uma pessoa esfalfa-se toda, mas os desenhos ficarão sempre aquém do espírito da cidade...

A quinta foi este ano, 2017. Reunião de trabalho, tal como em 2011. Sinto que aproveitei melhor o pouco tempo que tive. Os desenhos, esses, vão sendo publicados com alguma reflexão e tempo, mas também fiz um resumo mais geral da viagem aqui.


Porquê este enquadramento todo?
Porque das cinco vezes, nunca tinha desenhado a Piazza del Campidoglio. Sempre fui lá. Sempre. Mas nunca a tinha desenhado...
Foi desta!

domingo, março 19, 2017

Roma: Largo di Torre Argentina


Cada vez me convenço mais que sou um apaixonado por História. 
Quando conheço algo novo, a primeira coisa que faço é ir investigar sobre o assunto, saber mais sobre ele, os pormenores, quando surgiu, factores de mudança, etc.

Acho que é por isso que Roma é a minha cidade preferida. Há uma certa decadência museológica ao ar livre que me põe o coração aos pulos para saber mais antes que tudo desapareça...

E desenhar estas ruínas in loco é como viajar no tempo. 
Entre investigações sobre o local, não há como falar com as pessoas de lá para descobrir que foi aqui mesmo, em 44 a.C. em frente ao Teatro de Pompeu (actualmente em ruínas), que o grande imperador Júlio César foi assassinado à facada...

Costumamos dizer: "ah, se estas paredes falassem..."
Imaginem se as ruínas de Roma pudessem falar...

domingo, março 12, 2017

São Roque

Estou a orientar, desde Outubro, um curso de desenho avançado em São Roque. Os alunos são desafiados a percorrer três módulos que são uma metáfora cronológica da vida do santo, desde o nascimento à sua morte, os tempos de culto e a zona expositiva da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.


O primeiro módulo focou-se apenas nos anos de vida de São Roque. A tinta da china diluída e desfocada servia de base para o aparo.


Não teve uma vida fácil o Santo. A determinado momento refugiou-se numa floresta para não pegar a peste a ninguém...


Pensei que ia desenhar mais com uma turma avançada e completamente autónoma no trabalho, mas a verdade é que é muito mais difícil partir a pedra conceptual do que a técnica. As ideias desenvolvem-se discutindo. Passei meses sem conseguir desenhar em São Roque até à semana passada onde o altar das relíquias e o trabalho do João Mega me serviram de inspiração. Sim, ele fez um desenho incrível a tinta da china assim parecido com este. E sim, é impossível não me sentir inspirado por um trabalho tão excelente como o que ele está a fazer lá em São Roque.


Como se não bastassem todas as segundas feiras à noite passadas em São Roque, na terça feira de Carnaval, lá estava eu de novo a desenhar.

Tem sido um curso incrível, com resultados muito inesperados. Amanhã faremos a última aula do segundo módulo e depois avançamos para a parte final do curso. Desafios ainda maiores esperam por nós...

segunda-feira, fevereiro 06, 2017

Liverpool Metropolitan Cathedral


Termino a publicação dos meus desenhos de Inglaterra com a Catedral de Liverpool.
Estava frio, era fim de tarde e já estava fechada.

É muito interessante aquela coroa arquitectónica ali atrás do bloco central. Faz-me lembrar a realeza das pessoas simples que, por mais que a queiram ocultar, não há forma de lhe taparem o brilho!

...

Tenho andado sem tempo. As solicitações são muitas e o tempo não estica.
Abrem dia 11 de fevereiro as inscrições para o 8.º Simpósio Internacional dos Urban Sketchers, em Chicago. Este ano, pela primeira vez, houve muito mais propostas de altíssima qualidade do que aquelas que poderíamos receber. Ficaram de fora workshops inacreditavelmente bons. É duro tomar decisões destas, muito duro. Sei o que o Simpósio USk significa para qualquer desenhador. É a experiência das experiências, é o top dos urban sketchers.

Senti-me, nos últimos dias, como aquele bloco de betão a ter de tapar coroas brilhantes que não são ocultáveis. Tentei escolher o mais que pude. Se no início eram 26 a selecionar, acabámos com 36, de tanta pressão que fiz para incluir o máximo de propostas excelentes. E, mesmo assim, ficaram de fora muitas outras boas.

Resta-me a esperança que todos os instrutores apresentem os workshops das suas cidades sob o USk Workshops Program. Todos merecem aprender com as propostas deles!

quinta-feira, janeiro 12, 2017

USk: 10 years x 10 classes


Em 2013, em Savannah, partilhei com o Gabi Campanario um sonho antigo: fazer um programa de formação, com o selo dos Urban Sketchers, que durasse mais do que um fim de semana. Teria de ser, pelo menos um semestre, algo com um fio condutor e com robustez. 
Partilhei ainda que via isso a acontecer para reforçar a origem dos Urban Sketchers: contar histórias com desenhos das cidades onde vivemos. Pequenas, médias e grandes histórias.

Tentei implementar o programa em 2013. Não consegui.
Tentei fazê-lo de novo em 2014 e não deu.
Deixei passar 2015 para repousar a ideia.
Em 2016 tudo se proporcionou para que a minha Equipa de Educação alinhasse nesta loucura.
Agora, em 2017, um programa de 10 aulas vai acontecer em 26 cidades (para já), no mundo inteiro, em todos os continentes!


Apetece-me comprar bilhetes de avião para estas cidades todas!

O programa de Lisboa pode ser visto aqui
Tenho a honra de ser formador ao lado dos grandes Nélson Paciência, Pedro Loureiro, José Louro e Guida Casella.
Lisboa está rubro!

Claro que este curso apoia diretamente os USk, como faço questão de fazer sempre.

sábado, janeiro 07, 2017

Job-talks: lecture at Gulbenkian


No dia 23 de janeiro vou falar da desmedida paixão que é trabalhar para os Urban Sketchers. O evento, organizado pela Forum Estudante, chama-se: JOBtalks.
A responsabilidade é muita, mas seria possível recusar um convite para ir falar daquilo que me enche os dias e me obriga a ir muito além do que algum dia imaginei?


Não me deram muito tempo para falar e, por isso mesmo, ainda não escolhi em definitivo o que vou dizer e mostrar, mas penso que irei contar duas histórias; uma sobre como alimentar a paixão nos outros e, outra, sobre como essa paixão se pode espalhar pelo mundo inteiro.

Curiosos? 
É para universitários ou recém licenciados/mestres/doutores 
(será que outras pessoas também podem ir?) 

Inscrições aqui.

domingo, janeiro 01, 2017

Ano ímpar é sempre bom!

Há uma certa vantagem em estar constantemente atrasado na publicação de desenhos. De alguma forma, eles ficam no caderno a ganhar corpo, longe da vista, e a deixar que as memórias mais insignificantes se apaguem lentamente...
Depois, quando abrimos o caderno, parece que um mundo novo se revela e apenas as memórias boas vêm ao de cima.



Liverpool, há cinco meses atrás.
Edifício simétrico bem ao estilo neoclássico, mas ficou a meio no meu caderno. Não houve tempo...


Liverpool, no mesmo dia.
Docas.
Sentei-me para beber um café. Paguei um balúrdio. 
A escultura equestre de Eduardo VII ficou assim de costas para o majestoso edifício do Porto de Liverpool.
Desenho muito rápido. Não havia tempo...


5 de agosto de 2016: o mesmo dia de há cinco meses atrás.
Edifício maravilhoso, bem arrojado.
Entrei e perdi-me a visitar a história da cidade. 
Desenhei rapidamente o esqueleto deste alce. Não houve tempo para mais...


E é assim que começo os posts de 2017: com desenhos do passado (são todos) e sem tempo nenhum.
Mas é assim que quero 2017 para mim: desenhos de momentos que teimam em escapar-me e sem tempo nenhum para os fazer. 
Porque parar é morrer, aprendi eu com o meu avô. 
Há que tentar que a areia não me escape tanto por entre os dedos.

Chegou um grande ano! 

sábado, dezembro 24, 2016

Como se desenha o Natal?


É isto o Natal.
Uma vista de dentro lá para fora.
Teimamos em olhar para as quatro paredes confortáveis quando lá fora é que reina o esplendor.
Sem abrir as portas ao que espera por nós, ficamos apenas com o desfocado imediato.
Há que dar o salto. Ousar olhar mais longe. Ainda que pareça impossível. Ou se sinta uma loucura a invadir-nos as veias. A pulsação a saltitar de incerteza...

É isto o Natal.
Dar vida nova. Nascer de novo.
Dar salvação ao que sonhamos há tanto tempo. Dar-lhe rosto focado, colocá-lo na luz. Deixar a sombra confortável e, com todas as fragilidades, deixá-lo amadurecer. 
Pequeno e incerto, mas muito promissor. Deverá ser assim o sonho que desejamos concretizar. Deixar que os outros falem dele, o elogiem, sem medo de o perder, porque, só sendo de todos, poderá ganhar o sentido pleno.

É isto o Natal. 
Só pode ser isto.

quarta-feira, dezembro 21, 2016

Lancaster Castle


Há uns anos, creio que ainda em 2014, o Nélson Paciência meteu-se num projecto de voluntariado bem interessante: fazer aulas de desenho com presos. Era necessária uma carta da associação USkP para oficializar o pedido e tornar os USkP parceiros das prisões. Fiz-lhe a carta, claro. Era também para essas situações que a associação existia. Falámos também de alguns exercícios que poderiam funcionar. Este foi um dos que lhe recomendei. Não sei se o chegou a usar.

No passado agosto, em Lancaster, Norte de Inglaterra, visitei o antigo castelo da cidade que tinha sido transformado em prisão. Funcionou assim durante décadas e, recentemente, foi recuperado como património da cidade e está aberto ao público. Se por fora impõe respeito pela construção, o pátio interior também é muito agradável. É, no entanto, de pasmar quando se olha para o interior dos espaços. Frios e com uma recuperação interior medonha, muito desgastados pelo uso, sem vontade nenhuma de os percorrer, acabei sentado no pátio a desenhar e a pensar no projecto do Nélson.

Coincidência ou não, a primeira vez que ele o apresentou em público foi também em Inglaterra, durante o Simpósio dos USk em Manchester. A conferência dele, que foi um sucesso, pode ser vista aqui.

Incrível como a vida de algumas pessoas passa tão rapidamente de um castelo fantástico, cheio de pompa e robustez, para uma prisão de onde não se pode sair.

Bem hajas Nélson, por teres levado o desenho como opção de viagem a quem só tem livre o pensamento.

quarta-feira, dezembro 14, 2016

Windermere

Voltando aos desenhos de Inglaterra.
Com uma semana em Lancaster, decidimos visitar um dos locais mais recomendados do Lake District National Park: Windermere


O mais apreciado é a viagem de barco. 
Os turistas são bastantes, o que torna a pequena vila algo agitada.
O frio era tanto que só apetecia beber chocolate quente, chá, croissants com chocolate... enfim, coisas quentes ou calóricas.
O barco era lindo para desenhar. 
Fui lá fora, mas não aguentei o frio.
Escolhi a vista pela vidraça, embalada pela ondulação...


O bilhete dava direito a visitar um aquário.
Chegados ao destino, o aquário era uma desilusão. 
Hora de almoço. Pedimos fish & chips. Outra desilusão.
Lição aprendida: tudo o que é montado para o turista é uma perda de tempo.
Vale-nos, a nós desenhadores, a possibilidade de desenharmos tudo o que nos rodeia.
Mas o estado de espírito também passa para os desenhos...


Regressados de barco, em terra firme, houve algum tempo para desenhar detalhes da pacata vila.
Chovia imenso.
As lojas de roupa em 2ª mão eram as melhores.
Comprei lá duas boinas. 
Enquanto esperava que a Ketta, a Marisa e a Paula se despachassem das compras delas, eu e o Matias ficámos a desenhar...



A arquitectura inglesa tem um denominador comum. 
Há uma imagem de marca.
Sabemos que estamos em Inglaterra quando olhamos para os telhados.

Comecei a desenhar.
Elas chegaram entretanto.
Apanhámos um táxi para a estação de comboio. A pronúncia dele era americana. Foi viver para ali e passou a ser taxista ali. Devia ter uns 30 anos. Antes de ter tempo para lhe perguntar: why?, chegámos à estação e o meu desenho inacabado passou a ser uma metáfora das vidas que dão uma volta e vão à procura de preencher os vazios noutros lugares...

De repente, uma viagem turística tornou-se uma oportunidade para ir ao encontro daquilo que verdadeiramente interessa.

O desenho ajuda nisso, pois claro, sobretudo se tiver sugestões em vez de ideias de bandeja...

domingo, dezembro 11, 2016

Foz Côa - parte 10

Últimos desenhos de Foz Côa.


A Pousada da Juventude de Vila Nova de Foz Côa tem uma vista deslumbrante para a paisagem montanhosa do Côa. De manhã, a neblina e o ar super fresco davam aos desenhos um toque gélido e húmido, mas era impossível não tirar as mãos das luvas e desenhar esta vista...
Alguns alunos fumavam para combater o frio. Outros, poucos, acompanhavam-nos nestes desenhos frios de espera pelo autocarro...


Em Freixo Numão, o guia que nos acompanhou às ruínas do Prazo, o tal filho da terra, foi logo desenhado durante a pequena apresentação que nos fez no museu. Utilizei o lápis de sanguínea e depois acrescentei o de grafite. Meia hora depois, serviu este desenho para explicar como se pode preencher rapidamente uma área com mancha (ali a zona da barba), mas também ter traços mais assumidos e expressivos (ali a zona do cabelo), sem nunca descurar a dinâmica da linha (o perfil do rosto e a orelha).
Depois, já nas ruínas, um pequeno apontamento a caneta do que resta da entrada principal do mercado romano. 


Na verdade, na verdade, este não foi o meu último desenho de Foz Côa, mas foi o meu último desenho neste caderno. Depois do almoço em Mêda, enquanto algumas alunas desenhavam tratores (a da esquerda está mais a descansar do que outra coisa), eu, como tinha pouco tempo, desenhei-as a elas, de pé a olhar para baixo.

quinta-feira, dezembro 08, 2016

Foz Côa - parte 9

 A visita noturna às gravuras da Penascosa foi absolutamente sem palavras!


Estava escuro, muito escuro.
Pastel de óleo branco e aguarela.
Luzes dos telemóveis.
Mosquitos.
O caderno como local exploratório.


A tridimensionalidade dada pelos cornos.
Perceber que estas linhas gravadas estão invioladas desde há 20.000 anos.


Sobreposições.
Mais sobreposições.
E muitas suposições...

sexta-feira, dezembro 02, 2016

Foz Côa - partes 7 e 8


A arquitectura e a paisagem.
Voltas e voltas a pé para a tentar agarrar.


Mais de 20.000 anos depois, alguns futuros artistas pisaram o mesmo território que outros pisaram há tanto tempo...
Desenhei-os, claro. Não sei se os poderei voltar a desenhar no futuro.

É uma sorte imensa fazer parte deste grupo de pessoas que se dedica à Arte!

domingo, novembro 27, 2016

Foz Côa - parte 6


Jantámos na Pousada da Juventude.
Eram lulas estufadas, mas os alunos deixaram quase tudo no prato.
Dormi mal, mais uma vez - a penosa sensação de estar acordado a noite inteira...
No outro dia de manhã, os alunos estavam com olheiras - tinham dormido pouco, mas por opção...
Voltámos ao museu. A integração da arquitectura na paisagem assim o pedia.
Pedimos-lhes que tirassem os phones - o som da Natureza é que devia imperar.

A arquitectura é majestosa, mas muito bem integrada.
Fiquei rendido.
Usei apenas as canetas preta e cinzenta.
Os desenhos foram-se acumulando e interligando.
Estava frio, mas também sol.
Sentia-me uma formiga no Vale do Côa.
Encolhido do frio, mas com a força do desenho.

sexta-feira, novembro 25, 2016

Foz Côa - parte 5


Estava um frio de rachar em Marialva.
Tirei a minha manta polar azul da mochila.
Os alunos riram-se de mim.
Disse-lhes que tinham era inveja.
Tinta da china com aparo + lápis de cor.
Estava a ficar escuro e os focos de iluminação acenderam-se.
Enrolado na manta, entreti-me a colorir às escuras.
Que frio... não consigo continuar a desenhar. - diziam-me eles.
Trazer uma manta para um lugar frio não é sinal de velhice, mas de sabedoria. - respondi-lhes.


O final de tarde acabou comigo cheio de frio e alguns deles enrolados na minha manta. :)
O autocarro de regresso à Pousada tinha ar condicionado.
A manta, só a voltei a ver no dia seguinte de manhã...

quarta-feira, novembro 23, 2016

Foz Côa - parte 4


No segundo dia de trabalho deixámos o Vale do Côa e fomos fazer parte do circuito arqueológico de Freixo Numão. Acompanhou-nos um guia fabuloso, "filho da terra" e cheio de entusiasmo em partilhar o seu conhecimento. 
- - meia hora de caminhada para lá - - 
Nas ruínas do Prazo, que têm vestígios Neolíticos, mas sobretudo Romanos, a técnica a utilizar era a Sanguínea, que poderia ser conciliada com qualquer outro material. Eu optei por usar o lápis de grafite como complemento.
- - meia hora de caminhada para cá - -
A conversa com o guia para cá foi mesmo muito boa. Concluiu-a ele assim:
- Para mim o mais importante é o que estamos agora a conversar. O resto é tudo efémero...


Saímos das Ruínas do Prazo já perto da hora de almoço e fomos comer a um dos restaurantes mais recomendados da zona: o Sete&Meio, em Mêda. Quando telefonei para marcar mesa (uns meses antes), disseram-me: 
- Então se querem um prato típico, só pode ser a posta dos pobres.
- Então é esse mesmo que queremos!
E confirmou-se. De pobre só mesmo o nome. Saímos do restaurante a rebolar e com vontade de uma sesta...

Havia, no entanto, uma nova vila para desenhar: Marialva. O desenho acima anuncia isso mesmo, mas o texto sobre ele fica para o próximo post.

segunda-feira, novembro 21, 2016

Foz Côa - parte 3


A primeira página de uma gramática dos símbolos a que chamamos Arte.

Sempre soube que Foz Côa era importante, mas ter estado lá fez-me ir muito além dessa informação.
Antes de Foz Côa, os arqueólogos acreditavam que as gravuras e pinturas rupestres aconteciam nas grutas e apenas raras vezes em céu aberto. Depois de Foz Côa (e porque as gravuras se preservaram debaixo de terra durante mais de 20.000 anos), percebeu-se que as gravuras e pinturas a céu aberto é que eram o comum e nas grutas a excepção. As margens dos rios do Vale do Côa deviam estar todas gravadas, mas muita coisa se perdeu. Aquela zona seria, imagine-se, o centro da Península Ibérica, onde os nossos antepassados iam fazer trocas comerciais, cruzar famílias, festejar e sabe-se lá mais o quê...


Mas o mais fascinante é perceber que as gravuras não eram feitas ao acaso. Existem rochas completamente saturadas de gravuras, quando, mesmo ao lado, estão rochas lisas sem uma única incisão durante todos estes milhares de anos. Sim, é arrepiante de ver. Havia uma intenção de as sobrepor. Também não eram rituais de caça, como durante muito tempo de imaginou. Descobriram-se sedimentos de ossos de coelho e de peixe entre despojos de acampamentos pré-históricos. Caçar estes animais de grande porte não era o dia a dia deles...

Qual a verdadeira razão? 
Porque é Pré-História, não há conclusões fechadas, só interpretações...

domingo, novembro 20, 2016

Foz Côa - parte 2


Quinta feira de manhã, antes de entrarmos no museu, fomos ao terraço e ficámos deslumbrados com a vista panorâmica.
O João Moreno, desenhador de excelência com quem tenho o privilégio de dar aulas nas Doroteias, ensinou-nos a todos o modo como usa as aguarelas.


Estava um vento fresco, mas que não conseguia fazer frente ao Sol da manhã.
Os alunos espalharam-se e, por largos momentos, só se ouvia a Natureza.

Depois entrámos no museu para um visita guiada com um dos arqueólogos que participou nas escavações nos anos '90. Assombrosa visita. Não deu tempo para desenhar muito, apenas os animais mais representados em Foz Côa: cabra, auroque, cavalo e veado.

sexta-feira, novembro 18, 2016

Foz Côa - parte 1



O Departamento de Artes Visuais do Colégio de Santa Doroteia organiza, todos os anos, uma viagem de artes durante quatro dias. O objetivo é reforçar a relação entre os alunos todos do secundário de Artes (para que funcionem como um grupo e não como turmas separadas), mas também ganhar ritmo de desenho num local fora de Lisboa. Este ano fomos a Foz Côa!
Viagem de comboio até Campanhã e depois até ao fim da linha do Douro: Pocinho (viagem deslumbrante!).
De Lisboa ao Porto desenhei alguns alunos.
Do Porto ao Pocinho, entreti-me a conversar com algumas pessoas e acabei por desenhar o Sr. Manuel Marcelino Monteiro, que ia até à Régua para jogar umas cartas com os amigos...


Jantámos no restaurante do museu Côa. Fenomenal.
Dissemos aos alunos que iam aprender várias técnicas de desenho. No caderno experimentava-se e depois, em folhas soltas, desenhava-se com mais cuidado. Como faço sempre o que lhes peço, também eu desenhei em folhas soltas e usei o caderno só para uns borrões. Mas assumi que as folhas seriam como um Leporello: os desenhos iam interligar-se todos.



E aqui estão as duas primeiras folhas ligadas: pessoas no comboio + a paisagem do Côa + uns apontamentos escritos e a garrafa de vinho.

Nos próximos post's revela-se um pouco mais do que aí vem...